Um "corte de fumaça" no Minha Casa, Minha Vida
Há dois anos, o Programa Minha Casa, Minha Vida vem sendo uma das principais bandeiras do Governo que, a cada balanço, comemora novas contratações em todo o País.
E analisar o corte de mais de R$ 5 bilhões anunciado ao final de fevereiro como um fim para o programa ou uma quebra de promessas de manter os investimentos sociais seria, no mínimo, uma avaliação apressada.
Expectativas se criam, expectativas se esfumaçam. No caso do MCMV, expectativas de um grande salto na receita de investimentos foram montadas com base em cenários otimistas de crescimento econômico e, consequentemente, da receita tributária. Mas outras expectativas, as criadas a partir da aceleração da inflação, impuseram ao governo o receituário clássico do feio de arrumação, como o são a alta de juros, o corte de gastos públicos e investimentos e as restrições ao crédito.
O orçamento do MCMV caiu de R$ 12,7 bilhões para R$ 7,6 bilhões: R$ 5,1 bilhões a menos, suficientes para a contratação de 200 mil unidades em 2011. A justificativa dada para essa redução é que a segunda fase do programa está prevista para ser aprovada pelo Congresso somente em abril e, com isso, optou-se por uma reestimativa para a execução das despesas anteriormente programadas.
A principal questão, entretanto, não está na quebra de expectativas por parte dos mais diversos setores da sociedade. Caso o corte não tivesse sido anunciado, seria possível a utilização da verba destinada ao programa frente às reais dificuldades que vem sendo enfrentadas?
Especialmente nas grandes capitais, a realidade do MCMV passa pelo encarecimento dos terrenos, pela falta de mão-de-obra qualificada na construção civil, pelas dificuldades na locação de maquinário e equipamento para os canteiros de obras, enfim, por um grande 'apagão' de infraestrutura material e humana nessa área vital para o País. Faltam balancins, andaimes, guindastes, pedreiros, serventes, mestres e engenheiros para executar as obras, construir casas e apartamentos.
Somado a esse cenário, outro agravante: os lançamentos destinados à parcela da população de mais baixa renda - quando existem - se concentram na periferia da periferia, levando esses brasileiros a longos deslocamentos diários entre a moradia e o trabalho.
Assim, mesmo com verba disponível para minimizar o déficit habitacional do País, faltam os meios para realizar as obras no tempo e ao custo que são devidos.
Também é preciso repensar as políticas públicas, tornar obsessivas a busca da eficiência e das melhores soluções, além e independentemente de partidos e matizes ideológicos, e ter clareza na meta de longo prazo, que só pode ser o crescimento sustentável. Neste caso concreto do MCMV, se não teremos R$ 5 bilhões a mais, mas apenas R$ 1 bilhão, o que será melhor fazer com ele? Insistir em construir mais casinhas nas periferias desoladas das grandes cidades, ou empregar, por exemplo, o dinheiro na reforma e adaptação do que já está pronto e sem uso, como os milhares de imóveis vagos nas áreas centrais?
Nas palavras da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada e urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Raquel Rolnik, a construção de novas casas não deveria ser o foco principal da questão habitacional em um país onde há cerca de 5 milhões de unidades vazias, suficientes para acomodar a maioria dos sem-teto.
Indo por esse raciocínio, o corte nas verbas do MCMV não se refletirá no real objetivo do Programa que é o de suprir boa parte da demanda dessas famílias. Isso já se poderia obter com a inclusão dos imóveis usados nos benefícios do MCMV.
Além disso, o setor da construção civil também poderia continuar desempenhando seu papel à medida que os imóveis usados também geram empregos com reformas, mobiliário e demais itens de manutenção.
Precisamos fazer mais com o mesmo, fazer melhor, fazer de um jeito diferente. Afinal, sempre é possível mudar paradigmas, desde que se queira.
José Augusto Viana Neto, presidente do CRECISP, vice-presidente do Cofeci e delegado do Conselho Regional das Cidades